quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Agridoce




- Eu aceito uma coca-cola sim, por favor!
Quando pequena, o que talvez mais me encantasse fossem as festinhas de aniversários dos meus colegas de classe. Nunca entendi porque os adultos nunca participavam das animações, das brincadeiras e do momento mais esperado para mim, talvez, quando com uma simples guimba de cigarro,a chuva colorida de balas e brinquedinhos coloridos surgia no ar. Mas dessa vez, um objeto estranho participava daquele mundo infantil, marcado por uma ingenuidade e leveza completamente destoante daquela figura, sempre revoltada e polêmica.
Parecia-me tímida, numa mesa no fundo do grande play, e um pouco incomodada naquele ambiente confusamente animador, de bolas coloridas penduradas, pipoca doce e cachorro quente, misturado com sons oras de choros manhosos, ora por risadas infantis. Cássia Eller. Aquele monstro musical, de voz rouca e all star azul, ria timidamente para o garçom ao agradecer pela coca-cola oferecida.
A tal personalidade forte, quase que assustadoramente agressiva e marcante em suas inúmeras interpretações musicais, sempre envolvida em polêmicas e aparições marcadas por rebeldia e deboche, naquele momento, parecia-me uma menininha acanhada. Tive que beber quase que uma bandeja inteira de coca-cola só para permanecer perto de sua mesa e entender o que Cássia guardava ainda, por mais imperceptível que fosse, daquela menina reservada dos tempos de suas festas infantis.
A primeira imagem que me veio ao vê-la foi seu pequeno espetáculo ao levantar a blusa exibindo debochadamente os seios no Rock N’ Rio. Sempre tive admiração, mas também certo medo de sua imagem chocante que cuspia como homem e dizia palavrões. Frágil. Era justamente isso que percebi ao chegar mais perto de sua mesa. Aquela tensão sempre marcada pela sua presença havia-se dissolvido numa simples festinha infantil. A timidez dos seus gestos, o sorriso sempre muito expressivo, mas claramente contido, mostrava uma Cássia Eller menina. Era como se naquele momento, toda sua aparência masculinizada e largadona de bad-boy fosse desconstruída por uma doçura e meiguice de uma menininha de 6 anos que se entupia de coca-cola e não cansava de contar aos pais dos coleguinhas do seu filho, agora com uma voz descontraída, que o melhor desenho animado ainda era Tom e Jerry.
Talvez a armadura dos soldadinhos de plástico verde, que sempre vinha nos saquinhos de brinde ganhados como recordação da festinha, tivesse sido descartada, e Cássia, naquela festa, não vestia sua fantasia de mulher atrevida e tom provocativo, mas simplesmente mostrava sua face natural de garota que também tinha suas inseguranças e fragilidades. As balas Juquinha que explodiram no ar, quando a mãe da aniversariante pediu à Cássia que estourasse a grande bola com seu cigarro, mostraram-me que, por trás do plástico que protegia a bala, eu sempre encontraria sua massa açucarada mole e doce.

Por quais esquinas?




Em um cenário político-cultural de extremos, seja pelo totalitarismo das ditaduras militares, em especial na América do Sul, ao mesmo tempo em que explodem as revoluções socialistas e de Independência na África, fazendo parte ainda a liberdade sexual e os movimentos hippies e o uso crescente de drogas alucinógenas, a geração jovem da década de 60 e 70 vivencia intensamente esse turbilhão de acontecimentos. Encontra na arte e em especial na música, um espaço totalmente acolhedor para suas impressões do mundo, manifestando nela seus questionamentos, utopias, experiências ou decepções.
O Clube da Esquina faz parte dessa onda de novas produções estéticas na música popular brasileira, que se iniciam com a Bossa Nova, característica da cidade do Rio de janeiro; o Tropicalismo típico da Bahia e agora também através do Clube da Esquina em Minas Gerais.
A mineiridade e sensibilidade aguda são características peculiares desse movimento de músicos que, na reunião em rodas informais, sempre abertos e disponíveis a quem queira chegar e agregar sua contribuição, compartilhavam suas experiências em meio a angústias; prazeres; utopias; alegrias e dores marcados claramente na melodia e letra de suas canções. O próprio nome sugerido ao grupo, Clube, sugere coletividade; união.
Ligada essencialmente a contracultura e ao movimento hippie, o movimento acreditava também na fraternidade como um instrumento possível de enfrentamento à repressão da Ditadura e aos percalços da vida. Aborda questões políticas e culturais como a igualdade entre classes e etnias; a valorização da coletividade frente aos sentimentos essencialmente individualistas do sistema capitalista-liberal; a livre expressão vetada pela opressão totalitarista militar e o resgate do romantismo frente à insensibilidade da pesada industrialização.
O movimento também procura retratar a vida popular brasileira, do caboclo da terra; do pescador ribeirinho; pela sua aproximação à música de raiz, sendo de extrema importância para a consolidação e valorização da produção artística nacional, que passava e ainda passa, por um ataque constante da indústria cultural americana, mas que através de uma releitura do rock e do jazz, dando-lhes uma roupagem tipicamente brasileira, souberam perfeitamente se transformar em referência em qualidade musical e vencer também, a barreira que traduzia a música nacional à somente as produções realizadas no eixo Rio-São Paulo-Nordeste.
Estava presente também, o retrato da classe média brasileira, em profundo desenvolvimento nesse período, representado pela imagem do estudante universitário, superando o elitismo tão presente na produção cultural dessa época.
O que talvez fosse mais interessante na produção artística do movimento, foi à riqueza de elementos essencialmente característicos da cultura popular brasileira e de suas tradições, sobre uma visão ingenuamente romântica das comunidades rurais interioranas, que ainda não tinham sidas devastadas pela urbanização, representado pela nostalgia presente no tom melancólico das canções, desse lugar idealizado, cercado pela fraternidade e comunhão entre as pessoas.
Suas influências, que caminham por estradas fundamentalmente nacionais, resgatando a música raiz do típico cancioneiro do interior mineiro, sofrem ao mesmo tempo, influência da cultura “importada americana”, através principalmente do jazz e ainda da música latino-americana, revelando a diversidade da produção do Clube, que dialogava com diversos elementos culturais, tal qual foi a Bossa Nova e o Tropicalismo.
É importante salientar a importância dos meios de comunicação de massa, que contribuíram para a visibilidade do movimento, principalmente a participação dos seus integrantes nos festivais promovidos por emissoras de TV. Naquele momento, a indústria cultural percebe os benefícios em explorar a identidade nacional para a realização mercantil de seus interesses. Com a instituição de atos como o AI5 e semelhantes, que vetavam a liberdade em quase todos os sentidos, ser nacionalista foi uma maneira encontrada pelos idealistas de lutar contra a ditadura.
A grande contribuição que o movimento deixou para a música popular brasileira foi sair do tradicional e ir buscar uma nova estética para a música brasileira, assim como foi com outros movimentos, como o Tropicalismo ou mesmo a Bossa Nova. Essa mistura do Barroco Mineiro, com pitadas de jazz e do seu encontro com a música latino-americana, além da maneira particular que foram construídos os arranjos e os efeitos sonoros, fizeram do movimento uma referência para as gerações musicais posteriores.
Nesses encontros e desencontros pelos caminhos tortuosos dos morros de Minas Gerais e posteriormente de estradas de terra do interior brasileiro, o movimento sonhador fraternal que divaga com o violão debaixo do braço e sensibilidade à flor da pele, de uma geração perdida por entre esquinas, buscava seu lugar no mundo, confiante do amanhã que viria.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O existir imaginário

Nos meus sonhos ele tem olhos doces.

Tem nariz, boca, cabelo, dentes, orelha, mãos, pés, cabeça, cu.

Só nos meus sonhos, dança, sorri, conversa, sonha, desenha, toca, trepa, reza, escreve.

É ciumento, gostoso, amante, poeta

Naqueles sonhos respira, transpira, inspira, conspira

Abro os olhos

Cadê o meu sonho?

Confissões de uma adolescente





- Sophia, vamos brincar de cobra cega?

E porque não telefone sem fio, amarelinha, pula-corda...?
Mas cobra cega?
Justo cega?
Quando pequena,sempre concordara forçadamente em ser a cega, a que lhe vendavam os olhos, a que a entorpeciam com rodopios frenéticos que a fazia, em cada giro, ir perdendo a sensação de direção, de ritmo... até não conseguir se manter em pé e... cair.
Não sabia rodar.

Nao queria.

Se não bastasse tamanha humilhação, as vozes que miavam naquela escuridão do seu quarto, mãos que a empurravam, confundiam, celebravam sua própria estupidez ali como cobra, ou como rato, que confusos, tateam chão, parede, baús a procura daquele ruído mas que no fim, no fim....Gato mia! Miau! Era assim que ele a fazia sentir. Essa falta de rumo, a sensação do novo, do sentir-se perdido e se perder... Mia gato, mia!

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Confissões de uma adolescente

Odiava domingos.

Era o dia que demorava mais a passar, que implorava por algum respeito e até certa consideração, já que não poderia ser pior que as segundas. Mas aquele domingo,em especial, como cada minuto era um enterro! 16 horas.
16:07
16:18
16:31
Finalmente 17 horas!
O plano já estava todo arquitetado. Ele gostava de história. Ponto. Tinha algum em comum além da timidez e da falta de experiência com relacionamentos.Mas e a sua própria história? Aquelas que não envolvessem dragões, espadas e mocinhos presos a armadilhas de bruxas disfarçadas de cordeirinhos. Onde estaria a sua historia por trás disso tudo? Seria mesmo capaz de viver um romance? E o que estaria ele fazendo em um domingo tão vazio como este? Estariam, sem saber, compartilhando do mesmo tédio?
Era preciso descobrir ao menos seu nome!
Prazer, Gabriel!
Prazer, João!
Prazer, Eduardo!
Prazer, Felipe!
Prazer.......... que fosse,a última coisa que estava realmente preocupada era com seu nome.

Acordara atrasada, como sempre. E como sempre, esquecera os cadernos, o estojo, o celular, a cabeça! Algum motivo aparente? Algum menino sem nome, sem paradeiro, sem identidade rondando o mundo de Sophia?

sábado, 4 de setembro de 2010

Confissões de uma adolescente






Tinham sido dias cansativos.

Todos aqueles trabalhos, resenhas e resenhas a serem entregues, projeto de biologia, fora o forno alternativo que o professor de Física havia inventado de última hora para a semana de ciência. Era o sonho dela estar ali, foram horas, ou o que dirá um ano de estudos para passar para o tão sonhado colégio. Já antes mesmo de iniciarem os primeiros dias, tudo já estava planejado.
Onde sentar, o que levar para comer na hora do lanche, as músicas no mp3, o fichário com as colagens das fotos das férias em Salvador, a agenda comprada um ano antes, enfim, tudo planejado para o sonhado mundo do Segundo Grau. Parecia perfeito. Dessa vez prometera para si mesma que seria. Havia mudado.
Não seria mais a menina de aparelho nos dentes e cabelos desgrenhados sempre isolada e perseguida pelas coleguinhas de turma. Pintara o cabelo e alisara-o, trocara a armação da lente, tinha que acreditar que o estilo cult podia chamar atenção de alguma forma. Emagrecera o tanto quanto pode, embora nunca achasse que fosse o suficiente.
Tinha comprado sapatilhas novas. Combinavam perfeitamente com a saia plissada azul que assim como as outras garotas cool da sua turma, faziam questão de colocá-la sempre mais acima onde, o que gerava sempre um puxão de orelha da inspetora na entrada. O sutiã de enchimento fazia parte do plano também. Havia mudado.
E se fosse preciso para isso desvincular a imagem de menina estudiosa e responsável para experimentar a liberdade de por algumas horas ser a desregrada e popular, daquelas que sentam no fundo da sala, que desafiam os professores ou qualquer um que se colocasse a prova de sua pseudo-rebeldia, faria o que fosse preciso. Isso é claro incluía cordões de cheiro no banheiro, matar aulas no bar da frente do colégio e obviamente, colar nas prova de francês.
A nova escola a tinha apresentado não somente um novo mundo dentro de si, mas universos antes inimagináveis a serem explorados para aquela garotinha curiosa. O curso de filosofia nas segundas, o grupo de teatro as terças, o grêmio e as dezenas de passeatas a serem organizadas, os luais nas sextas, a viagem a Ouro Preto, o passeio a Paraty. Havia mudado. Ou o mundo que resolvera mudar?
Todos os horários organizados e preenchidos por dezenas de compromissos, reuniões de grupo, passeios...Sentia-se completa? Tudo parecia por deveras um clichê de vida perfeita que sempre pedia ao assoprar velinhas de aniversários ou mesmo nas viradas de anos, quando sempre pedimos aquilo que sabemos que não acontecerão, mas que os fazemos pelo simples deleite da ilusão momentânea de senti-los realizáveis.
Tudo parecia fluir. Não sentia falta de nada. Mesmo?
Sentada uma tarde na biblioteca, observara a presença de um novo personagem no seu conto de fadas. Discreto, pedira ajuda a bibliotecária para encontrar os contos de Kafka. Como não o havia notado antes? Mais alto que ela, cabelos negros e lisos, mas que por certo não viam o poder de um pente já fazia certo tempo. Pendiam até os ombros. Magro, pele mais alva que a sua, por certo fazia parte de algum grupo de RPG ou quem sabe do grupo de estudos de astonomia. O que a chamara atenção logo de primeira, fora os olhos. Eram doces. De uma doçura que acompanhava o sorriso suave e tímido que escapara ao agradecer a bibliotecária por encontrar não um, mas a coleção inteira de Kafka. Queria poder chegar mais perto somente para entender o que aqueles olhos guardavam em segredo, que o óculos e a franja a impedia de descobrir.
Tinha planos agora. Tinha que descobrir quem era o garoto tímido da biblioteca que a chamara tanta atenção. Esperou sair da biblioteca e correu em direção a porta para saber onde poderia estar indo. Não sabia seu nome, sua série, tampouco seus gostos. Mas alguma coisa agora havia mudado. E embora fosse todo o seu oposto, tudo aquilo que ela sempre fugira de si mesmo, que deixara para trás; os cabelos desgranhados, os óculos tortos, o jeito tímido e imperceptível de ser, era o que mais queria para si naquele momento.
Depois de passar a noite a imaginar o que aquele menino que absolutamente não conhecia nada, poderia representar na sua nova vida, acordou atrasada. Deixou a mochila pronta e correu para o colégio. Cinco horas sentada na biblioteca. Já sentia as dores do amor nas costas, nos ombros que esperavam um sinal de vida do rapazinho dos olhos que brilhavam longe.
3 dias e nada.
Mais uma vez aquela vozinha que amaldiçoava seus sonhos e exterminava qualquer esperança de sucesso, começava a pertubá-la novamente. Não tinha nascido para ser feliz no amor. Era seu legado. Tão nova e já condenada a esse infortúnio. Também pudera, não era a mais descolada da turma, a mais desejada, tampouco a com grandes dons musicais ou artísticos. Era comum, mediana. Também não era do tipo de arrasar corações. Era bobona e romântica. Das que não fazem sucesso e tampouco chamam atenção. Ok, era exagerada também,um pouco de dramaticidade sempre torna as coisas mais interessantes, não? Mas e as mudanças? Havia realmente mudado?
1 semana e nenhum sinal.
A semana da apresentação dos trabalhos de história estavam próximos. E como tinha esperado por aquele momento! Horas e horas gastas em bibliotecas públicas, acervos e antigas livrarias para deixar a exposição sobre a formação das favelas cariocas o mais verossímil possível. Tudo pronto. Cada grupo era responsável por apresentar seu projeto em uma das 22 salas do colégio, no sábado. Naquele momento até esquecera do menino misterioso, não tinha tempo para bobagens.
Como gostava de apresentar os cartazes, explicar sobre as migrações nordestinas para o Rio, mostrar as fotos das primeiras favelas no Morro da Providência. Todo aquele entusiasmo a entorpecia de uma forma, era outra pessoa. Havia mudado.
Era hora do intervalo e decidira ficar na sala para arrumar os caixotes empilhados que simulavam um desses casebres improvisados que se amontoam nos contornos dos morros cariocas. Mais pessoas chegariam na parte da tarde e queria a melhor nota naquele projeto. Sozinha na sala, notou de repente a presença de mais alguém. Olhou para trás. Era ele. Deslizava por entre um cartaz e outro, lendo as apresentações e observando atentamente cada fotografia em preto-e-branco. O que faria? Já tinha abandonado a idéia de voltar a vê-lo. Aliás, mesmo que o voltasse a ver, tinha certeza que nem notaria sua presença, ele não a conhecia, não sabia quem era aquela menina de cabelos pintados e óculos cor de rosa. Não sabia que gostava de história e tampouco que sua sobremesa favorita era sorvete de creme.
Mas foi surpreendida pelo mesmo sentimento que tivera na primeira vez que o viu na biblioteca. Era algo que obviamente não podia explicar, mas que a deixava nervosa e com o coração pronto a correr uma maratona.
O que faria? Como estragaria tudo dessa vez de uma forma mais criativa? Tinha PhD em quebrar climas românticos, espantar possíveis pretendentes e tornar o primeiro encontro um inferno.
Estava sozinha com o menino dos olhos na sua sala, na sua apresentação, na sua vida. Fugir era uma saída, mas já a experimentara tantas vezes, estava cansada. Havia mudado.
Ajeitou o cabelo e foi em sua direção.

- Gosta de história? – que pergunta idiota, claro que não via cordas que o obrigavam estar ali.

- Ah sim, muito! – respondeu do jeito mais tímido e surpreendido que pudera. Minha presença o incomodava de alguma forma. Talvez fizesse parte do meu mundinho que não sabe lidar com o sexo oposto.

Continuava ali, como que encurralado e também sem saber o que fazer. Peguei-o me fitando duas ou três vezes, mas toda vez que conseguia alcançar o seu olhar, desviava do meu com uma maestria de corredor de fórmula um. De uma coisa compartilhávamos em comum, nenhum dos dois sabia o que fazer, nem o que falar naquele momento. Como sempre minha ansiedade não me permitiu desfrutar do silêncio que intimidava, mas que tinha nos aproximado tanto naquele momento.

- Você estuda aqui? – claro, eu não poderia ser diferente, tinha que bancar a babaca por completo.

Ele riu timidamente. Já tinha percebido meu incrível poder de constranger as pessoas com perguntas idiotas.

- Estudo sim, você também? – ah sim, que ótimo, agora falávamos a mesma língua babacal. Que bonitinho, ou tinha encontrado a minha alma gêmea, ou por certo fizera aquilo para reverter a situação e me tornar menos babaca com minhas perguntas fantásticas!

Dessa vez quem rira fui eu. Respondi com uma certa expressão ardilosa no rosto, queria ver onde esse rio ia desembocar.

- Bom, eu acho que como compartilharmos do mesmo uniforme, faz de nós dois estudantes do mesmo colégio, não é mesmo? – Meu deus, Santa Maricotinha das causas impossíveis, faz eu falar alguma coisa que preste. Sophia, você é inteligente, você é!

- Ah claro, isso é uma boa evidência, ele riu. Mas você não é a menina que sempre passa nas salas chamando os alunos para participarem das passeatas?

Ele tinha me notado antes! Também pudera, meninas que interrompem aulas sem ao menos pedirem permissão aos professores; que entram gritando nas salas de aula; distribuindo folhetos e praticamente obrigando os alunos a se engajarem em passeatas e reuniões políticas, não é espécie comum de se encontrar nos dias de hoje. Tivera eu escutado o conselho da minha vó e entrado para as aulas de violino. Talvez hoje fosse uma menina mais, digamos que, domável.

- Sou eu sim, sou responsável pela parte de comunicação do grêmio. Já deve ter escutado minha voz no rádio do colégio....

- Ah, então é você que tem o prazer de todos os dias anunciar o nosso delicioso cardápio de macarrão com macarrão na hora do intervalo? Sabia que já tinha escutado essa voz antes... respondeu com um tom de voz que ora pendia para o sarcasmo, ora para o total desapontamento.

Tocara o sinal. Alunos e professores começaram a entrar na sala. Não tinha como continuar nossa pseudo-constrangedora-conversa com todo aquele barulho. Nem eu, nem ele sabíamos como continuar.

- Olha, meu grupo deve estar me procurando... Estamos na sala 12, se quiser passar lá depois... dar uma olhada no nosso trabalho, seria bom... E saiu da sala meio na tentativa de fugir daquilo tudo que estava acontecendo, com uma postura que era evidente que estava atordoado. Havia mudado.




continua.....

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

João e Maria




Sempre fora esquecida.

Os compromissos, as pessoas queridas, as datas importantes, as letras de música...Como era simples esquecer um verbo no curso de inglês, o dentista na quarta feira de manhã, o telefone do menino da noite passada...Como era mesmo o nome dele? E as contas que se amontavam na mesa, pilhas e pilhas de multas que cresciam por uma simples falha de esquecimento... Será que eu desliguei o gás antes de sair de casa? Qual era o nome daquela atriz dos anos 20 que sapatiava belissimamente? Meu deus, a pílula, esqueci de tomar a pílula! E como que num descuido, as deslembranças iam construindo uma parede com buracos e vácuos entre os tijolos...Já tinha desistido de tentar lutar contra esta amnésia aparente, era em vão querer acreditar que poderia guardar lembranças como se guardam tesouros...Estas mais pareciam borboletas a voar, que não tinha porque se querer tentar construir um passado, o seu passado.
Invejava todos aqueles que tinham momentos bons e que tão fácil como acessar um arquivo salvo no HD do laptop, podiam relembrar sempre que algo trazia esses pedaços de memória a tona. Não que não tivesse tais momentos, pelo contrário, o que a entristecia era não poder revivê-los quando o presente era por demais pesado de se levar e o futuro inalcançável de se ver. Uma pessoa sem lembranças é uma pessoa vazia. E como se sentia vazia, de desejos, sentimentos, de si mesma. Por isso, resolvera como que numa última carta a se jogar, tentar a cura para tamanha obscuridade.
Começara primeiramente com os fitoterápicos. Ginko Biloba, gardenal, chá verde,medicina chinesa, acunputura, meditações, dietas a base de vegetais folhosos e ferro...Nada.
Resolveu então métodos mais invasivos, como estimulantes, inibidores da Acetilcolinesterase e até mesmo reposição hormonal. Lançaram um novo tratamento para esclerose múltipla? Lá estava ela a comprar caixas e caixas do produto. Abriram inscrições para seleção de grupos para testes de tratamentos de choque na Universidade de São Paulo? Era a primeira a se inscrever... Ouvira certa vez que escalar os sistemas montanhosos do Himalaya do Sul já tinha surtido efeito para alguns dos que compartilhavam a mesma enfermidade que ela. Fizera o trajeto seis vezes....Nada parecia funcionar....
Foi então que o conheceu...
Como nunca conseguira lembrar dos últimos relacionamentos que tivera, tampouco importava a ela se esse fosse mais um de seus esquecimentos... Já o tinha advertido de seus problemas com lembranças...Para ele, pouco importava...Na verdade o que parecia fazê-lo mais feliz era lembrá-la a cada minuto de como eram felizes, de como sua presença era importante um para o outro, como compartilhar tudo aquilo era como que explorar um caminho ainda inexplorado mas que já deixava rastros para retornarem cada vez que fosse preciso. Como a doença a impedia de planejar, de ter compromissos, de estabelecer metas ou sonhos, estar com ele naquele momento a fazia tão bem, era tão leve de se sentir...
Eram felizes, da sua maneira, mas eram.
Acordou numa manhã, com uma sensação de prenchimento tão grande.
Já pronta a compartilhar com aquele que parecia ser a fonte de tamanha energia que pulsava, olhou para o lado da cama e não o viu. O que teria sido aquilo tudo? Mais uma de suas fantasias? Como algo tão real poderia não existir? Ele realmente não existira? Mais era impossível algo que estivera sempre tão presente, tão próximo ser simplesmente uma alegoria de sua cabeça. Não era possível. Não podia ser. O vazio que sempre a acompanhou durante todos esses anos agora pulsava de outra forma dentro de si. Não como um vácuo que esperava ser prenchido com nomes,quaiquer que fossem, mas um espaço que esperava seu dono retornar.
Tinha agora nome.
Saudade.
A cura para aquilo que tanto a molestava comecara a aparecer. De uma forma dolorosa, mas o que sempre a incomodou por nunca poder sentir, estava agora lá. E como doía poder sentir. Como machucava cada vazio que agora poderia ser prenchido com uma lembrança. Era este o preço a se pagar. Não podia se dar o direito de escolher não sentir, não lembrar, não ter um passado, se a cada minuto os novos moradores do seu interior a pertubavam com palavras, sentidos, memórias.
Estava curada.
Queria agora encontrar aquele que a tinha restabelecido,mas sabia que era em vão. Diferente das suas recordações, ele não voltaria. Poderia agora viver ao menos com o presente que tinha deixado para ela. Um passado.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A irmã do sono




Nunca conheci alguém tão paciente.


Confesso que de início isto me causava um comichãozinho de inveja. Tudo era previsível, possível para ela. Como poderia! Sua complacência e temperança a tornava cada dia mais irreal. Sentada naquela poltrona, tinha a mesma expressão fazia séculos. Seus músculos, todos já flácidos e cansados de se mover faziam dela uma estátua viva. Eu sentia que queria viver. E de certo ponto tinha potencial para isso. Mas o que então tinha tirado toda a vivacidade daquela pobre mulher?Todas suas amigas, já falecidas a tinham advertido das consequências da sua triste forma de viver. Nunca escutara ninguém. Era por deveras teimosa. O mais incrível era que sempre fora apontada como a mais corajosa, o exemplo a seguir, a virtude das virtudes. Mais que coragem é esta que nunca arriscara nada? Talvez não tivesse motivos? Mentira. Quantas vezes como que num ímpeto de impulsividade quis sacudir aquela criaturinha e gritar: - Vai querida, tira a mãozinha da boca e deixa todo mundo te escutar! Levanta daí! Corrrrrrreeeeeeeeeeeee!

Mas já sabia que seria em vão. Pessoas não mudam. Elas fingem. E fingir não é verdadeiro, não é mesmo? Então porque fazê-las serem quem nunca serão?Digo, fingir... Ela continuaria ali, parada, esperando, esperando.... E a roda da vida continuaria a girar, girar, girar....E ela...ela seria a última a morrer....Seu nome? Esperança....

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

ECO




AMO

TE AMO

SÓ AMO

TEMO

Mirmidões




Quando buscava onde pisar

No porque se mover

No não se acreditar

E porque não se morrer


Compus versos tristes

Construi caminhos tortos

Me escondi para que resististes

Me atentei aos mortos


Confiei na bem aventurança

Quebrei três ou quatro promessas

Me distrai com suas danças

Virei antagonista de minhas próprias peças


Agora sou a que mente

Pelo qual não se confia

Aquela que não sente

Sou sua fotografia